Cassiano Manoel de Souza 

Jagunço ou um herói do sertão?

Cassiano Manoel de Souza:  UM JAGUNÇO OU UM HERÓI DO SERTÃO? 

Por: Nyll Mergello 

Mogi Guaçu, SP, Brasil 

Ano: 2023 

 Cassiano Manoel de Souza foi um homem de grande notoriedade no seu tempo, lá nas bandas de Tacaratu, cidade serrana do sertão pernambucano. Nascido por volta do ano 1900, Cassiano era filho de uma indígena de nome Maria Grande. Maria Grande foi capturada ainda menina por caçadores. Acuada por cães de caça, a criança foi levada à "civilização", onde, sob cuidados de padres jesuítas, recebeu as primeiras instruções. Não se sabe muita coisa sobre a vida de Maria Grande. Por outro lado, também sabe-se muito pouco a respeito da infância de Cassiano Manoel. No entanto, a sua história começa a ser notada a partir dos anos vinte, especialmente quando da revolta que ficou conhecida como Coluna Prestes, ocorrida entre os anos 1925 e 1927. 

Como se sabe, de 1925 a 1927, a Coluna Prestes percorreu cerca de 24 mil quilômetros dentro do território brasileiro. Por onde passava, procurava incentivar a população a se insurgir contra as oligarquias locais. Essa força foi organizada em 14 de abril de 1925. Ficou conhecida como Coluna Prestes, em homenagem ao seu líder, Luís Carlos Prestes.

O objetivo primeiro da coluna era desestabilizar o governo do então presidente Artur Bernardes. Este, na visão da jovem oficialidade, contrapondo com os velhos oficiais, representava a estagnação social e o atraso na gestão pública. A coluna era composta por destacamentos do Rio Grande do Sul e de São Paulo. Luís Carlos Prestes assumiu a chefia de Estado-Maior da Coluna. No decorrer do seu período de atividade, a Coluna Prestes enfrentou inúmeras vezes as tropas governamentais que os perseguiram e os grupos de jagunços armados organizados pelos coronéis locais. 

Em 1927, a Coluna Prestes se desfez e seus principais líderes se refugiaram na Bolívia. Cassiano Manoel foi um desses chamados jagunços. O termo "jagunço" ou capanga era, no nordeste brasileiro, o indivíduo que se prestava ao trabalho paramilitar de proteção e segurança às lideranças políticas. O termo deriva do quimbundo, junguzu, ou do iorubá, jagunjagun, ambos originados das palavras para "soldado". 

Antes de um mero jagunço, ignorante às questões pertinentes à revolta corrente, Cassiano Manoel era acima de tudo um bravo combatente. E assim como o soldado que cumpre seu dever no campo de batalha, Cassiano Manoel de Souza fez o que lhe foi incumbido. À saber, enfrentar e inibir, infligindo baixas à coluna de revoltosos sulistas. 

O que para o movimento revoltoso era algo em prol do Brasil, naqueles tempos finais da República Velha, que estendeu-se de 1889 a 1930, para o governo central era apenas uma insubordinação a ser combatida e esmagada. A Coluna Prestes, liderada por Luís Carlos Prestes percorreu o interior do Brasil denunciando os desmandos do governo republicano de Artur Bernardes e propondo reformas sociais e políticas. 

Presidente Artur Bernardes
Presidente Artur Bernardes

Os integrantes da coluna eram jovens oficiais que participaram das revoltas militares de 1922 e 1924. Ao longo dos mais de 25 mil quilômetros percorridos, a coluna enfrentou ameaças por parte de coronéis, mas também encontrou apoio de populares que apoiavam suas causas. A Coluna Prestes percorreu mais de 25 mil quilômetros, passando pelas regiões Centro Oeste, Norte e Nordeste. 

Finalmente, em 1927, os participantes da coluna entregaram as armas, e Luís Carlos Prestes se exilou na Bolívia. 

 Os objetivos da Coluna Prestes eram: 

 - Deposição de Artur Bernardes da presidência da república; 

 - Voto secreto; 

 - Reforma do ensino; 

 - Obrigatoriedade do ensino primário; 

 - Moralização da política. 

Virgulino Ferreira, o Lampião
Virgulino Ferreira, o Lampião

No nordeste, contra a Coluna de revoltosos sulistas, foi convocado inclusive o homem mais infame da época: Virgulino Ferreira da Silva, o famoso e temido Lampião. Segundo a lenda, Lampião ganhou a patente de capitão, do próprio Padre Cícero. A patente de oficial, devidamente reconhecida pelo governo central, de quem Padre Cícero recebera autorização para conceder ao cangaceiro, dava a Lampião condições legais para combater a coluna do capitão Luís Carlos Prestes no Nordeste, sem ser importunado pelas forças governistas.   

Integrantes da Coluna Prestes no oeste do Paraná, na década de 20
Integrantes da Coluna Prestes no oeste do Paraná, na década de 20

Entrementes, ignorantes quanto às questões políticas, os jagunços obedeciam antes de tudo os coronéis. O que era certo para o seu coronel estava acima de qualquer outra verdade. Durante a campanha da Coluna Prestes pelo nordeste do Brasil, a mesma sofreu ataques e emboscadas. Homem valente também chora. Isso foi comprovado no dia em que Cassiano Manoel foi "sentar praça", engrossando as fileiras que obedeciam ao padre Cícero. Estava pronto e determinado a servir no combate aos revoltosos. Sob as ordens e a proteção do padre Cícero. Ele chorou longamente ao se despedir de sua amada, a jovem Marieta Severa. E naquele momento de emoção entre os dois, Cassiano cantou uma linda e inspirada canção de despedida, na qual jurava para o seu amor que não tardaria a voltar são e salvo. O abraço foi longo e repleto de emoção e lágrimas. Mas enfim o jovem partiu pra sua missão. Especial e particularmente, num momento marcante de Cassiano Manoel, ele estava de espreita juntamente com um companheiro. Seus olhares atentos e perigosamente ansiosos acompanhavam os movimentos da coluna que avançava. Segundo consta, o homem ao lado de Cassiano Manoel, seu companheiro de emboscadas, era um primo seu. Durante o confronto, sob fogo cerrado de retaliação por parte dos militares, o parceiro de Cassiano Manoel tombou sob um tiro certeiro disparado por algum felizardo da coluna. Sem possibilidade de arrastar o companheiro certamente já sem vida, Cassiano imiscuiu-se na caatinga e camuflou-se de prontidão, o coração disparado e a respiração ofegante. Do outro lado, um grito com forte sotaque sulista fez-se ouvir: 

 - Derrubou? Se não matou, degole! 

 Escondido de tocaia, Cassiano ficou à espreita. Ao longe, o corpo do seu companheiro estendido no chão, à mercê do inimigo. De repente ele viu quando se aproximou furtivo, um soldado revoltoso. Punhal à mão e pronto para cumprir a ordem de degola do homem estirado inerte. Cassiano prendeu a respiração, enquanto mirava o seu cobiçado rifle Winchester, conhecido como "Rifle Papo Amarelo". O soldado se preparou para degolar o homem sem vida, e provavelmente levar consigo a cabeça do infeliz qual infame troféu de guerra. Mas o disparo certeiro e mortal desferido por Cassiano Manoel o deixou rígido por um breve momento, antes de tombar morto sobre o corpo de sua vítima. "Com ferro fere, com ferro será ferido". 

Certo de seu êxito, o jagunço se embrenhou na caatinga, numa fuga quase fantasmagórica sob o branco do agressivo bioma. Homem do sertão, estava em seu habitat natural, o que o tornava expert em fugas e tocaias. Outros embates se seguiram e outros homens tombaram. Por fim, com o término da revolta, Cassiano Manoel foi recebido pelo padre Cícero Romão Batista, homem forte e tanto respeitado como venerado (e até mesmo adorado qual homem santo) pelos sertanejos. Cassiano Manoel queria conselhos sobre que destino seguir a fim de começar uma vida. O padre Cícero foi direto e persuasivo ao orientar o jovem jagunço a voltar para seu lugar de origem, Tacaratu, no estado de Pernambuco. Cassiano tomou um susto, pois receava voltar para Tacaratu, berço de inimigos mortais declarados. 

 - Mas, meu padim, como posso eu voltá pa Tacaratu? É lá que tão todos os meus inimigo, meu padim! 

 - Eu não estou mandando? Vá para Tacaratu, é lá que você construirá família e verá seus netos. 

Cícero Romão Batista, o padre Cícero ou "Padim Ciço" para os nordestinos
Cícero Romão Batista, o padre Cícero ou "Padim Ciço" para os nordestinos

Cassiano não contestou o famoso e respeitado padre. E assim, com a bênção do padre Cícero, a quem servira no combate à Coluna Prestes, Cassiano Manoel seguiu para Tacaratu, onde jamais seria importunado e se tornaria um mito. 

Em Tacaratu, ele constituiu família e viveu por muitos anos, vindo a ver os filhos crescerem e lhe darem muitos netos. 

Muitos são os fatos a respeito de Cassiano. Certo acontecimento muito curioso seria jocoso ou até mesmo bucólico, se por uma imprudência de certo oficial da polícia, o caso não envolvesse a prisão de um dos filhos de Cassiano Manoel. Ao saber do ocorrido, lá na sua tranquila morada, no Porteirão, uma agradável região ao pé da serra, nas partes altas, Cassiano Manoel perdeu a noção de espaço e tempo. Tomado de uma fúria jagunça, botou seu revólver na cintura e saiu desembestado rumo à cidade. Sua raiva era tamanha que sequer percebeu quando seu revólver caiu de sua cintura, ficando no meio do caminho. 

Santuário de Nossa Senhora da Saúde, em Tacaratu, Pernambuco
Santuário de Nossa Senhora da Saúde, em Tacaratu, Pernambuco

 Entrou na cidade, enfurecido qual uma onça ferida. Era demais aguentar tamanho desaforo do oficial de polícia, além de sua ousadia e da tamanha falta de respeito para com o seu nome. Ao chegar à delegacia, que estava fechada, Cassiano berrou cego de raiva. No ínterim, o oficial da polícia havia se trancado lá dentro, pois havia sido alertado que o mundo ia pegar fogo. Cassiano gritou para que o "cabra safado" saísse para fora da delegacia. Cassiano meteu o pé na porta, arrebentando tudo. Exigiu que seu filho fosse solto imediatamente, o que obviamente aconteceu, após as devidas explicações. Cassiano era muito respeitado inclusive no meio policial. Certos membros da polícia, admiradores e amigos do ex-jagunço, costumavam praticar tiros juntamente com ele em seu sítio, na região serrana do Porteirão. 

Em outro caso digno de nota e não menos interessante e até mesmo engraçado, certo proprietário teve jumentos roubados de sua propriedade, por parte de alguns ciganos de passagem. Contratado pelo cidadão prejudicado a fim ir no encalço e recuperar seus animais roubados pelos ciganos, Cassiano iniciou a busca por pistas que o conduzissem aos ladrões. Cassiano era perito na arte de "farejar" pistas, qualidade que certamente foi de muita valia nos duros tempos passados, durante os perigosos tempos da revolta e do cangaço. Não demorou até que Cassiano Manoel encontrasse o acampamento dos ciganos danados. Sinuoso como uma serpente, Cassiano pegou um sonolento cigano pela beca, a arma já no compasso da morte. O pobre infeliz, olhos arregalados de terror, implorou para que o "ganjão" não matasse. 

"Cabra safado, cadê os jumentos?" 

 O cigano tremia como vara verde enquanto dizia que Cassiano podia levar os animais de volta, apenas o deixasse viver. E assim ele fez. Dispensou os ciganos cagões e levou de volta os animais roubados e ora recuperados. E o melhor: ele não precisou encomendar a alma de ninguém ao fogo do purgatório. 

Muitas são as histórias sobre Cassiano Manoel de Souza. Porém, outras pesquisas precisam ser feitas a fim de que se consiga maior número de informações e detalhes específicos. Muitos fatos são dignos de registro na trajetória dessa figura tão interessante. Afinal, em sua época, ele foi um dos homens, senão o mais, respeitado de sua região. Homem destemido, de personalidade forte e caráter inabalável, era por assim dizer, respeitado por gregos e troianos, pois todos conheciam sua fama e seu valor. Era homem de palavra que não voltava atrás sem resultados. 

Cassiano Manoel de Souza foi, enfim, uma figura notória em sua região, e por isso merecedor de ser homenageado como uma das personalidades mais célebres dentre os filhos do seu povo. 

Por fim, em 1972, Cassiano Manoel de Souza se rendeu diante de um inimigo incontestável e que não faz distinção entre bravos, covardes, desertores, heróis, ricos ou pobres: a morte. Sua partida foi lamentada por todo um povo, e Cassiano Manoel saiu da vida para nunca mais ser esquecido na história de sua cidade e de seu estado.

Sepultamento de Cassiano Manoel de Souza, no Cemitério Velho de Tacaratu, Pernambuco. Foto: 1972
Sepultamento de Cassiano Manoel de Souza, no Cemitério Velho de Tacaratu, Pernambuco. Foto: 1972
Sepultamento de Cassiano Manoel de Souza, no Cemitério Velho de Tacaratu, Pernambuco. Foto: 1972
Sepultamento de Cassiano Manoel de Souza, no Cemitério Velho de Tacaratu, Pernambuco. Foto: 1972


 Nota: As pesquisas para conclusão deste trabalho biográfico sobre Cassiano Manoel de Souza são bastante abrangentes e carecem de mais informações, especialmente aquelas de caráter imparcial. As pesquisas continuam. 

Nyll Mergello é neto de Cassiano Manoel de Souza, profundo conhecedor da história de sua família e pesquisador da trajetória de seu famoso avô materno. Seus estudos e pesquisas visam a elaboração de uma biografia séria e imparcial.

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